Foi na viagem de regresso a casa. Vínhamos do teu último tratamento.
Tu, sentado no lugar do pendura do teu próprio carro, desabafaste:
-Quando um gajo finalmente se apercebe de toda a merda que fez na vida nem tempo tem de se arrepender...
Aquelas palavras caíram-me em cima como tijolos lançados de um 6º andar.
[ainda tenho as marcas]
Apressei-me a tecer considerações sobre a vida, os arrependimentos, o tempo e o que fazemos dele. Fiz uso de frases de outros, chavões e pensamentos mais que batidos. Tentei ser convincente e tentei convencer-me.
Não acreditei numa palavra do que disse, tão embrulhada que estava na minha frustração que só a tua a superava.
[Estavas certo, pá. Pela primeira vez, estavas certo]
Senti raiva, senti medo, desesperei.
(...)
O telefonema chegou pouco antes do sol. Tinha o telemóvel no peito. Peguei nele. Começou, silenciosamente, a tocar.Inspirei. Inspirei muito fundo antes de atender.
- 'tou....
- Morreu... (a voz, embargadíssima por horas de choro)
- ...como um passarinho (acrescentou)
Não me saiu nada. Chorei muito. De alívio.
[Bateste asas, no dia do teu aniversário, sob o olhar atento daqueles dois que também te viram nascer]
Como um passarinho, disse o teu Pai.
6 comentários:
;(
E ate nestes momentos, me lembro dos cheiros que descrevias...
Beijo.
Ainda os sinto nas mãos...
ficou mirrado o meu coração :(
* abraço-te
Sem palavras. Simplesmente sem palavras...
Este foi o primeiro post que li deste blogue. E a tristeza que aqui se expõe ficou. As palavras que se aliham para expor essa tristeza. Oferecida a quem lê, para que a sinta também.
É raro.
Obrigada, Nando. Este e o "glicínias" saíram cá de dentro duma rajada só... qd marca, marca mm...
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