segunda-feira, 30 de junho de 2008

Glicínias

Naquela noite julguei que morria.
O telefonema fizera-me antever o tal desfecho mas acreditei até ao fim (quando é que isso foi?) que podia alterar o rumo das coisas. Sou assim. Sempre fui. E aos 17 anos, mais do que nunca, sabemos que podemos mudar o mundo.

À hora marcada lá estava. Passámos à frente o habitual café e sentámo-nos no mesmo banco de jardim debaixo dos arcos de glicínias. Não. Eu sentei-me, tu ficaste em pé. Fumavas um cigarro, tenho a certeza. Esperaste-lhe o fim para me contar...

Falaste dos beijos e das incertezas.
(as palavras são facas)

Não consegui dizer nada. Passaram-me milhões de discursos e sentimentos pela cabeça. Pela cabeça, pelo fígado e pelo coração. Tentei por mais que uma vez. Nada.
(o cheiro das glícinias não me sai da cabeça)

Acendeste outro cigarro. Esperavas que falasse?
Pedi-te um último abraço. Um "último abraço".
Mostraste-te desagradado com a expressão.

Acedeste.
Choraste comigo.
(fomos sacudindo as pétalas de roxo que nos caíam no corpo)

Do que se passou depois não me lembro.
Sei apenas que estava frio e que não era suposto as flores das glícinias caírem.
E que, nessa noite, que durou o tempo de todas as noites, sangrei.

5 comentários:

Ana disse...

fico sempre comovida com estes amores :) texto tão bonito Ti, fiquei com pele de galinha e a sentir o cheiro das glicínias... beijo grande

Mim disse...

Ouvi-te essa historia tanto e com tal intensidade, que a tenho como parte de mim, numa melancolia daquilo que foi teu.

nando disse...

Como se consegue contar um sentimento.
Mostrar um sentir.

Ti disse...

Sem dúvida o post mais sentido até hoje... confesso que o releio vezes sem conta e "sangro" sp da mm forma.

Um gajo qualquer... disse...

Estou a ler os teus posts mais antigos e dou de caras com este texto formidável!!!!

Muito muito lindo o que escreveste, certamente o oposto no que se refere a senti-lo...